A Carlos Drummond de Andrade.

Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.

Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.

Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.

Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.

Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

(João Cabral de Melo Neto)



Apoena

"Não estou falando de um mundo cor-de-rosa ou de pessoas perfeitas, sempre prontas para nos acolher, amar, caminhar ao nosso lado.

Não falo disso, mas da tristeza nos olhos de quem vira as costas e a gente não vê.

A beleza por dentro de um peito encouraçado que a gente não sente.

A solidão de quem afasta um amor e se deita em camas tão frias.

É do instante quando os olhos se perdem no nada e nenhuma mentira é capaz de enganar a si mesmo.

É desse instante solitário, desse instante sem abraço, que eu digo.

Todo mundo vai virar as costas ou dizer que merece coisa melhor ou debochar das mentiras que eles contaram... mas a gente pode sempre voltar e acolher com amor, ser os primeiros a começar.

Afinal, se a hostilidade do mundo despertar a nossa, quem vai ser o primeiro a sorrir?"

Um dia pra aplacar minha agonia


[ah, como é horrível assistir à agonia de uma esperança! - beauvoir]