Suspensão


[será que é perigoso a gente ser feliz?]

Canção

O peso do mundo 
é o amor. 
Sob o fardo 
da solidão, 
sob o fardo 
da insatisfação 

o peso 
o peso que carregamos 
é o amor. 

Quem poderia negá-lo? 
Em sonhos 
nos toca 
o corpo, 
em pensamentos 
constrói 
um milagre, 
na imaginação 
aflige-se 
até tornar-se 
humano - 

sai para fora do coração 
ardendo de pureza - 

pois o fardo da vida 
é o amor, 
. 
mas nós carregamos o peso 
cansados 
e assim temos que descansar 
nos braços do amor 
finalmente 
temos que descansar nos braços 
do amor. 

Nenhum descanso 
sem amor, 
nenhum sono 
sem sonhos 
de amor - 
quer esteja eu louco ou frio, 
obcecado por anjos 
ou por máquinas, 
o último desejo 
é o amor 
- não pode ser amargo 
não pode ser negado 
não pode ser contigo 
quando negado: 

o peso é demasiado 
- deve dar-se 
sem nada de volta 
assim como o pensamento 
é dado 
na solidão 
em toda a excelência 
do seu excesso. 

Os corpos quentes 
brilham juntos 
na escuridão, 
a mão se move 
para o centro 
da carne, 
a pele treme 
na felicidade 
e a alma sobe 
feliz até o olho - 

sim, sim, 
é isso que 
eu queria, 
eu sempre quis, 
eu sempre quis 
voltar 
ao corpo 
em que nasci.
.
(Allen Ginsberg)

Vive

Vive, dizes no presente,
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as coisas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma coisa relativa ao passado e ao futuro.
É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem.
Eu quero só a realidade, as coisas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas coisas como presentes; quero pensar nelas como coisas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

(Alberto Caeiro)